domingo, 27 de outubro de 2013

A partida de Eduardo.


Eduardo disse que precisava de um terreno em Marte, se possível nas colinas. Bem longe de tudo, onde o que se escuta é o silêncio da solidão. Disse que precisava de tempo pra pensar mas não que sabia em quê, que nunca sabia de nada, que estava sempre dando tiros no escuro tentando acertar alguma forma de esperança iluminada... Eduardo era um eterno indeciso insatisfeito!

Decidiu tirar umas férias da vida, parar tudo (ou quase tudo). Disse que não decidiu isso sozinho ou porque quis. Disse que as coisas simplesmente foram acontecendo. Que ele foi deixando as coisas acontecerem sem sua presença. Sem querer foi parando de fazer questão de muitas coisas as quais estavam na categoria “Prioridade” em sua vida.

Depois de se acomodar nas colinas de Marte, disse mais. Disse que talvez tenha ido pra lá pra observar melhor os fatos. Observar o que estava errado, o que deveria ser mudado... Que talvez tenha esteja se tornando uma pedra, completamente inerte a qualquer situação, por medo, por desgosto, por desinteresse em viver o tempo que ainda lhe restava. Não sabia dizer ao certo, só sabia que ao passo que ali queria ficar, queria logo sair.

Não sabia por quanto tempo ia ficar, só esperava que fosse o suficiente pra voltar a sanidade e a estabilidade. As emoções, as novas experiências do mundo o fizeram recuar e de certo modo, desistir. Tudo foi virando uma bola de neve e, tardiamente, ele percebeu a necessidade de fechar suas portas.

Por último, depois de sua cansativa sessão de investigação pessoal disse:

“Talvez eu só queira (e precise) arrumar minha cabeça sentindo o sol da manhã, ouvindo o canto dos pássaros, sentado à sombra das árvores e fazendo umas boas músicas. Talvez só precise estar em paz comigo mesmo.”

sexta-feira, 4 de outubro de 2013


Você é capaz de dizer quem sou eu?



"Muito boa-noite, senhoras e senhores. Eu não sei meu nome, só sei que sou apenas eu agora. Já tive família, já tive casa, carro e todos esses bens da classe alta de hoje em dia. Já fui alguém, mas, agora, não passo de um João-Ninguém. Já levei meus filhos à escola, ao parque. Já comemorei aniversário de casamento em restaurante caro, já dei presentes. Já viajei pra fora do país, já comemorei Natal e Réveillon com casa e mesa de jantar cheias... Eu era professor, tinha o conhecimento e o disseminava da melhor forma que podia. Já fiz muitas coisas as quais daria tudo pra poder fazer hoje de novo. Nunca precisei pedir nada a ninguém, pois tudo na minha vida era abundante e tinha pra dar e vender.

Eis que um belo (de belo não tinha nada) dia perdi a memória e me perdi pra sempre de casa. Minha família nunca mais me viu, meu cachorro nunca mais latiu e por aí, hoje, eu vivo. Vivo de restos, de caridades e de piedades alheias.

Hoje, graças eu estou vivo! Tenho um amigo que me acompanha fielmente (um cãozinho literalmente “vira-latas”) e uma trouxa pra guardar coisas. Isso é tudo o que tenho, não me resta mais nada. Não tenho casa, não tenho emprego, não tenho chão, não tenho mais nada e praticamente ninguém. Tudo que possuía as desgraças do destino me tiraram. Mas não me tiraram o caráter, os valores pessoais.

Enquanto você acorda na expectativa de um novo dia, dorme em cama quente, liga seu carro do ano e come aquele prato no restaurante, eu, apenas... Não. Não sei mais o que é isso. Acordo sabendo que o dia vai ser igual ao que passou, igual ao de um mês atrás, mas nunca igual ao de anos atrás. Durmo sobre os papelões que um dia serviram para proteger as coisas da sua casa e como o que encontro por aí. Esta é minha vida, esta é minha rotina.

Você sabe quem sou eu? Não sabe, não é mesmo? Pois bem, eu sou o morador de rua que humildemente lhe pediu um trocado há alguns instantes atrás pra poder comer algo e você negou. Pra simplesmente ter o que comer. Pra você, sei que sou um indivíduo tão fantasma quanto a sua humildade. Você não me vê. Você não quer me ver. Você fecha os olhos pra mim e nem pensa em rezar por mim. Não importa, não é com você então está tudo bem. Enquanto você tem tudo, eu não tenho nada. Mas, ao passo que não tenho nada, tenho tudo e você quem não tem nada.

Não tenho as coisas nas mãos, mas as tenho no coração. O destino foi ingrato, me tirou as coisas e as pessoas, porém, não deixei que tirassem a pessoa que existe dentro de mim. Já você...

Rezo pela alma dos que são assim, cheios de si e vazios de todos. A vida os aguarda, o destino os espera. Há para o que sorrir? Não, infelizmente não. Vocês ainda têm muito a aprender meus caros e não vai ser da melhor forma. Rezo por vocês pra que não passem pelo que passei. Sei o que é a dor e não a desejo pra ninguém. Como disse, a vida me tirou quase tudo mas não deixei que tirasse tudo de mim. Ainda restou o meu caráter. O meu caráter."

quinta-feira, 3 de outubro de 2013


É lá e cá.


Não é de hoje
Que as palavras me engasgam
E os teus afetos
Me faltam.

Você me tira do sério,
Tira meu mundo
Do equilíbrio!

Faz mais e mais eu viajar
Por dentro do meu peito,
Que do seu vazio já está cheio
E quer nada mais nada menos
Que encostar em teu seio.

E lá ficar, lá ficar...

Com esse teu charme
Que ainda não aprendi a lidar
Eu me debato,
Eu me torturo,
Eu me acabo em lágrimas,
Onde mais costumo me afogar.

Não sei o que você quer
Ou sequer se me quer.
Sei que esse morde e assopra
Me conforta e me entorta.

Aonde quer chegar?
O que você quer de mim?
Eu não sei.
Prefiro a dúvida do que a certeza.

Enquanto você me morde,
O coração só quer saber
De morte.
Enquanto você me assopra,
É em loucura, que meu coração
Se desdobra.