Você
é capaz de dizer quem sou eu?
"Muito boa-noite,
senhoras e senhores. Eu não sei meu nome, só sei que sou apenas eu agora. Já
tive família, já tive casa, carro e todos esses bens da classe alta de hoje em
dia. Já fui alguém, mas, agora, não passo de um João-Ninguém. Já levei meus
filhos à escola, ao parque. Já comemorei aniversário de casamento em
restaurante caro, já dei presentes. Já viajei pra fora do país, já comemorei
Natal e Réveillon com casa e mesa de jantar cheias... Eu era professor, tinha o
conhecimento e o disseminava da melhor forma que podia. Já fiz muitas coisas as
quais daria tudo pra poder fazer hoje de novo. Nunca precisei pedir nada a
ninguém, pois tudo na minha vida era abundante e tinha pra dar e vender.
Eis
que um belo (de belo não tinha nada) dia perdi a memória e me perdi pra sempre
de casa. Minha família nunca mais me viu, meu cachorro nunca mais latiu e por
aí, hoje, eu vivo. Vivo de restos, de caridades e de piedades alheias.
Hoje,
graças eu estou vivo! Tenho um amigo que me acompanha fielmente (um cãozinho
literalmente “vira-latas”) e uma trouxa pra guardar coisas. Isso é tudo o que
tenho, não me resta mais nada. Não tenho casa, não tenho emprego, não tenho
chão, não tenho mais nada e praticamente ninguém. Tudo que possuía as desgraças
do destino me tiraram. Mas não me tiraram o caráter, os valores pessoais.
Enquanto
você acorda na expectativa de um novo dia, dorme em cama quente, liga seu carro
do ano e come aquele prato no restaurante, eu, apenas... Não. Não sei mais o
que é isso. Acordo sabendo que o dia vai ser igual ao que passou, igual ao de um
mês atrás, mas nunca igual ao de anos atrás. Durmo sobre os papelões que um dia
serviram para proteger as coisas da sua casa e como o que encontro por aí. Esta
é minha vida, esta é minha rotina.
Você
sabe quem sou eu? Não sabe, não é mesmo? Pois bem, eu sou o morador de rua que
humildemente lhe pediu um trocado há alguns instantes atrás pra poder comer
algo e você negou. Pra simplesmente ter o que comer. Pra você, sei que sou um indivíduo tão
fantasma quanto a sua humildade. Você não me vê. Você não quer me ver. Você
fecha os olhos pra mim e nem pensa em rezar por mim. Não importa, não é com
você então está tudo bem. Enquanto você tem tudo, eu não tenho nada. Mas, ao
passo que não tenho nada, tenho tudo e você quem não tem nada.
Não
tenho as coisas nas mãos, mas as tenho no coração. O destino foi ingrato, me
tirou as coisas e as pessoas, porém, não deixei que tirassem a pessoa que
existe dentro de mim. Já você...
Rezo
pela alma dos que são assim, cheios de si e vazios de todos. A vida os aguarda,
o destino os espera. Há para o que sorrir? Não, infelizmente não. Vocês ainda
têm muito a aprender meus caros e não vai ser da melhor forma. Rezo por vocês
pra que não passem pelo que passei. Sei o que é a dor e não a desejo pra
ninguém. Como disse, a vida me tirou quase tudo mas não deixei que tirasse tudo
de mim. Ainda restou o meu caráter. O meu caráter."